O tempo batia asas. No mundo dela era sempre noite. Mesmo de manhã, o céu permanecia no mais completo breu. Cansado daquela mesmice, passou a questionar os porquês da sua existência e da origem do mundo no qual vivia .
Procurava a lógica dos fatos e se perdia em suas próprias explicações.Uma idéia fixa martelava em sua cabeça: precisava sair dali e descobrir se tudo era sempre daquele
jeito ou se lá longe, bem distante, havia uma outra realidade. E pôs-se a caminhar. Todo chão era pouco perto do desejo que a movia. E então chegou numa das portas do mundo : tudo continuava a ser sempre daquele jeito e lá longe, bem distante, não havia nenhuma outra realidade. Deu a volta e seguiu obstinada. Quando mais andava mais sentia o tamanhão do mundo. De seus pés brotavam calos. O corpo padecia, descascava, transmutava. E os porquês se tornavam cada vez audíveis reverberando nos quartos de seu coração. E no que cruzou o sul, o norte, o leste e o oeste do mundo: tudo continuava a ser sempre daquele jeito e lá longe, bem distante, não havia nenhuma outra realidade. Quando mais andava mais sentia o tamanhinho do mundo. Não havia mais pra onde ir e seu corpo também não suportava mais acompanhar o ritmo frenético dos porquês de sua cabeça. A massa corpórea dele padecia e, pipocava, inchava. Achou que fosse morrer naquele instante e quando olhou de volta para si foi que percebeu a transformação. O corpo dela havia crescido tanto que já não cabia mais em seu mundo. Com toda aquela pressão, o céu foi se rasgando vagarosamente até revelar a luz. Em seu novo mundo era sempre dia. Mesmo de noite, as estrelas garantiam uma luminosidade que ela jamais poderia prever enquanto lagarta andante dentro da caixa de sapato. Agora era diferente. Ela batia asas.
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